terça-feira, 16 de outubro de 2012

Culto da personalidade

Quando se está na política faz-se propaganda. E esta é sempre melhor, mais eficaz, quando assenta na divulgação, na promoção, na recordação, mais do que de (boas) ideias e de propostas, de factos, de «obra feita», que se acredita que os potenciais eleitores considerarão positivamente. Porém, quando essa obra é controversa, insignificante ou nem existe, a propaganda dificilmente poderá ir além de ataques aos adversários. Outra alternativa é… o culto da personalidade – o elogio individual (e desmesurado) do candidato, do (grande e querido) líder, independentemente, isoladamente das suas acções, feito pelo próprio e/ou pelos seus correligionários. Os casos que a seguir se vão referir aconteceram – por incrível que isso possa parecer – nos EUA e não na Coreia do Norte…   
Pode-se começar pela «iconografia», e em especial pela «nova bandeira» do país que a candidatura para a reeleição de Barack Obama tinha (já não tem, devido aos protestos) para venda no seu sítio – uma «versão» anterior incluía uma imagem do Sr. Hussein. Menos grave, menos ofensiva, é a bola de basquetebol usada em eventos na Casa Branca. Mais ridículas são as «auras», ou «halos», que fotografias… objectivas «descobrem» no actual presidente. E também um documentário… hagiográfico, cujo realizador não encontra qualquer defeito no biografado, e cujo narrador afirma que ele não atirou as culpas a outros. As sucessivas designações «o primeiro presidente (preencher o espaço)». Evidentemente, há que referir: a «estátua» erigida na convenção democrata em Charlotte, e que se revelou, literalmente, um ídolo com pés de barro; e o «monumento» ao primeiro beijo entre Barack e Michelle. Enfim, escusado será dizer que o lema «Forward» significa «Avante», e tem uma longa tradição de ser usado por socialistas e por comunistas, incluindo, como se sabe, em Portugal…
Mais hilariantes – ou inquietantes – são (algum)as afirmações e acções dos apoiantes (ou adoradores), dos aliados… e da esposa. Antes de mais, a doutrinação de crianças nas escolas, de que abundam os exemplos. Jimmy Kimmel, qual «bobo da corte», a concordar que é sua função «fazer o presidente rir». Jessica Alba, Natalie Portman e Scarlett Johansson a «jurarem fidelidade» a BHO, inclusivamente marcando a mão – qual «ferro do proprietário» - com alusões a «causas progressistas» defendidas por aquele. Chris Matthews a criticar o «desdém» de Mitt Romney pelo incumbente, expresso na decisão de… concorrer contra ele (seria tudo tão mais fácil se só houvesse um candidato…) Rahm Emanuel a garantir que «quando Obama chega (a Chicago) a chuva pára», e Michelle que o seu marido «tirou-nos (aos norte-americanos) da escuridão e levou-nos até à luz». A própria plataforma (programa político) do PD, em que o nome do presidente é omnipresente. É pois de surpreender que se sintam à vontade para pedir aos apoiantes que lhes enviem as prendas de aniversários e de casamentos?
No entanto, as maiores demonstrações de culto da (sua) personalidade são dadas pelo próprio Barack Obama. Ao longo destes últimos quatro anos não faltaram as afirmações narcisísticas, quase sempre a roçarem o ridículo. Lembre-se, há quatro anos, a de que a sua eleição significaria o momento em que começou a ocorrer «a descida dos oceanos e a cura do planeta». Antes disso, em 2007, acreditava que a sua tomada de posse como presidente causaria uma diminuição da hostilidade dos muçulmanos para com os EUA (verificou-se, em especial no último mês, que tal não é verdade…) Assegurou ter respondido à «chamada da Bíblia» e de ter feito «o trabalho do Senhor» (embora tenha manifestado o seu apoio ao «casamento gay» e ao aborto tardio), e pediu um «ámen» aos estudantes cada vez mais endividados… De «regresso» à Terra, pediu que o ajudassem a aprovar uma lei como prova de que o amam… porque, afinal, «as pessoas querem que lhes digam como é que podem ajudar» (os políticos como ele). Do mesmo modo, apelou ao Congresso para não perder tempo com «falsos debates políticos» - isto é, e pode-se deduzir, em fazer aquilo que ele quer; e «esclareceu» os jornalistas (muitos dos quais são nos EUA, como se sabe, «modelos de isenção») que nem sempre a verdade se encontra a «meio caminho» entre as posições de democratas e de republicanos… está mais perto dos primeiros! E ele pensa que «ninguém pode sugerir que tentei dividir o país»! Pelo contrário, e contrariando-o, sondagens (da Gallup) deram-no como o presidente «mais polarizador» da História (em Janeiro deste ano) e como o oitavo com maior aprovação entre os últimos dez com 1138 dias no cargo (em Março).  
É precisamente quando se compara, conscientemente ou não, com os seus antecessores que Barack Obama produz as mais grandiloquentes, e surpreendentes, afirmações - é quando o culto da (sua) personalidade atinge o ponto mais alto (ou baixo, consoante a perspectiva…) Culpou os «pais fundadores» da nação por terem «desenhado um sistema que torna mais difícil fazer as mudanças de que eu gosto». Criticou Rutherford B. Hayes (republicano, 19º presidente, entre 1877 e 1881) por ser avesso às novas tecnologias – quando, na verdade, era o oposto disso. Colocou os «feitos» da sua presidência em quarto lugar entre todas, ao fim de dois anos de mandato! Talvez tenha sido por isso que a actual administração se permitiu inserir, no sítio da Casa Branca, referências ao Nº 44 nas biografias de outros presidentes! E, não satisfeito com a «prata da casa», colocou-se ao nível de um Mohandas Gandhi e de um Nelson Mandela!  
Em 1995 Barack Obama preconizou uma «democracia com “d” pequeno». Quase 20 anos depois, o seu nome é, por ele e para os seus partidários, como se fosse todo escrito em maiúsculas. A melhor resposta a esta arrogância pode ter vindo de Clint Eastwood: «não se deve idolatrar políticos, pois eles trabalham para nós». E quando mostram não ser competentes são «despedidos», substituídos, não (re)eleitos, sejam eles democratas ou republicanos. Tão simples quanto isso.
(Adenda - Confundir o país consigo próprio é outro dos indícios principais de um culto da personalidade.)

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