sábado, 23 de junho de 2012

Amnésia e amnistia

Será um caso – um problema - de amnésia? Se é, tem estado a piorar consecutivamente e consideravelmente. Ao decidir e anunciar, no passado dia 15 de Junho, conceder uma autêntica amnistia a muitos milhares – talvez a quase um milhão! – de imigrantes ilegais através de uma ordem executiva, Barack Obama faz exactamente o contrário daquilo que disse há pouco mais de um ano: «Existem leis suficientes nos livros pelo Congresso, que são muito claras em termos de como temos de implementar o nosso sistema de imigração, que, para mim, ignorar, através simplesmente de uma ordem executiva, esses mandatos congressionais, não estaria conforme ao meu papel apropriado como presidente.»
Deve-se dizer que, à partida, dificilmente se colocaria em causa o (bom) princípio, vá lá, moral, que está no cerne desta iniciativa. Quem acredita que os filhos não devem ser punidos pelos «pecados» dos pais não pode deixar de concordar que o governo federal dos EUA cesse a deportação de imigrantes ilegais que tenham entrado involuntariamente no país com menos de 16 anos, e que agora tenham menos de 30, um cadastro criminal limpo, (pelo menos) um diploma liceal ou tenham prestado serviço nas forças armadas. Contudo, impõe-se a pergunta: neste caso os fins justificam os meios? Por se tratar de um assunto tão importante e sensível haveria toda a conveniência em se estabelecer uma política consensual, convergente, bi-partidária, de longo prazo. Marco Rubio, em especial, tem estado a trabalhar nesse sentido desde que entrou para o Senado, e viu algumas das suas propostas, que antes eram criticadas pelos liberais, serem agora apropriadas e louvadas por aqueles… devido a serem apresentadas por um presidente democrata. Enfim, é uma decisão populista, desesperada, demagógica e, quase de certeza, ilegal, inconstitucional, porque entra em matérias que são da competência (quase) exclusiva do Congresso, do poder legislativo; e eleitoralista, porque apela a um grupo específico da população, tal como o tinha sido a decisão de «apoiar» o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Porém, poucos dias depois, ainda não satisfeito, talvez, com a quantidade de polémica que provocara… e que o prejudicara, Barack Obama resolveu exercer novamente o seu poder de… executar, desta vez através do «privilégio executivo», para isentar Eric Holder de entregar ao Congresso todos os documentos que aquele exige relacionados com o caso «Fast & Furious». Já alvo de um processo de contempt (acusação de desobediência, desrespeito, desprezo para com os representantes do povo) por parte dos congressistas, o attorney-general vê enfraquecida, e não reforçada, a sua posição com a decisão do presidente – aumentando ainda mais as suspeitas, e quase certezas, de que o Departamento de Justiça cometeu graves erros, e até ilegalidades, no programa de entrega (des)controlada de armas a traficantes de droga mexicanos. Mais: Holder, ao pedir a protecção do «chefe», também se «esqueceu» do que prometeu em 2009 – de que seria o «advogado do povo», distante da Casa Branca; e Obama, com a sua decisão de conceder uma «amnistia» (pessoal e temporária) a Holder, envolve-se ele próprio, directamente, no processo, tornando-se igualmente suspeito aos olhos da opinião pública. Ou então foi mais um acesso de amnésia: em 2007 criticara o (ab)uso, por parte de George W. Bush, daquele mesmo poder. E àqueles que agora se indignam por Marco Rubio exigir a demissão do actual AG deve-se… recordar que, também em 2007, o então senador pelo Illinois exigiu – por motivos muito menos graves – a demissão de Alberto Gonzales, AG do Nº 43. A hipocrisia é tão evidente e escandalosa que nem Jon Stewart resistiu a satirizá-la…      
Aqueles que estão mais à esquerda dirão que Barack Obama não tem «lapsos de memória» mas que, simplesmente… «evolui»; não é, nunca foi um «flip-flopper», um «vira-casacas», um adepto de «o que hoje é verdade amanhã é mentira». Que ideia! É por isso que ele já «evoluiu» não só sobre o «casamento gay» e os poderes executivos do presidente mas também, entre outros temas, sobre o financiamento público de campanhas eleitorais, o aumento da dívida, o mandato individual na reforma da saúde, o encerramento da prisão de Guantanamo e o julgamento de terroristas em tribunais civis nos EUA – agora, e pelo contrário, esses terroristas, integrantes ou não de alguma «kill list», são simplesmente abatidos (à queima-roupa, por Navy Seal’s, ou à distância, por drones) sem sequer se procurar, antes, obter informações deles. O que se compreende, porque, «coitados», se fossem detidos e não mortos poderiam ser sujeitos a essa «tortura desumana» que é o waterboarding – que, recorde-se, foi aplicada a apenas três pessoas e nenhuma delas morreu por causa disso.
Enfim, também já se pode afirmar que, em Barack Obama, a «amnésia» surgiu precocemente. Desde logo, por não ter a certeza onde nasceu, no Havai ou no Quénia – sim, ele foi o primeiro birther. E, depois, por se ter «esquecido» de divulgar que: foi membro do (esquerdista e radical) Partido Novo; foi apoiado pelos Socialistas Democráticos da América; e tinha mesmo uma relação de amizade com Bill Ayers e Bernadine Dohrn, tendo frequentado a casa do casal de antigos terroristas pelo menos até 2005. No entanto, haja uma certa tolerância: o «mal» parece ser de família, porque o seu avô paterno, afinal, e ao contrário do que alegaram o próprio e os seus descendentes, não terá sido aprisionado e torturado pelos ingleses. Por tudo isto a ver vamos se, no futuro, não será Barack Obama a precisar de uma amnistia.

3 comentários:

amauri disse...

Bom dia!
Comentando este post com um democrata, ele me perguntou:
"Qual foi o presidente que mais deu anistia a imigrantes legais?" Eu não sei, voce sabe? abs

amauri disse...

Ops, é imigrantes ilegais.

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

O problema da imigração ilegal em larga escala para os EUA - especificamente, a partir do México, mas abrangendo cidadãos de várias nações latino-americanas - só começou a ser um problema crescentemente grave há cerca de 30 anos. E, independentemente de um ou outro perdão num caso individual (uma, vá lá, «amnistia personalizada»), só os democratas e, agora, mais insistentemente, com Barack Obama, se atreveram a sugerir que se amnistiasse, de «uma assentada», aos milhares ou mesmo milhões, imigrantes ilegais - como um modo, óbvio e previsível, de o PD conquistar novos eleitores.

O que o actual presidente fez na semana passada não foi, formalmente, uma amnistia, mas, na práctica, foi isso mesmo... porque decidiu que o governo federal - enquanto ele estiver na Casa Branca - não vai procurar e expulsar os que integram um sub-sector específico de ii's - os jovens que foram para os EUA involuntariamente, levados por familiares. Portanto, a resposta é, claro, «o actual presidente».