segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Distorções portuguesas (Parte 3)

(Uma adenda no final deste texto.)
Em Portugal (quase toda) a comunicação social encarou e abordou as eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos da América do mesmo modo como aborda a actualidade política daquele país em geral e em permanência: antagonizando o Partido Republicano e os membros (e os candidatos) deste e favorecendo o Partido Democrata e os membros (e os candidatos) deste. Logo, o repúdio, quando não a repulsa, que vários «jornalistas», analistas, comentadores nacionais manifesta(ra)m contra Donald Trump, antes e depois da sua vitória, também é o resultado da adulação, quando não da adoração, que sentem por Barack Obama… e por Hillary Clinton. Pelo que, como já escrevi antes, (ou)viu-se alguns «a fazerem as figuras mais tristes, mais ridículas, mais histéricas, a dizerem e a escreverem os maiores disparates»…
… E em nenhuma outra entidade-espaço-instituição deste país isso terá sido mais evidente do que no grupo Impresa. Tenho indicações, registos, de pelo menos quatro exemplos que o comprovam: a revista («E») do jornal Expresso de 29 de Outubro, com uma fotografia de Hillary Clinton e o destaque para um artigo de Clara Ferreira Alves - «”Yes She Can” – Hillary Clinton está prestes a fazer história quando a 8 de novembro (sic!) se tornar a primeira mulher eleita Presidente dos Estados Unidos da América»; antes e durante (d)o dia 8 a cobertura «noticiosa» deficiente, incompetente, tendenciosa da eleição nos EUA feita pela SIC, segundo o relato de Pedro Correia no Delito de Opinião; o artigo de Mafalda Anjos, «diretora» (sic!) da revista Visão, intitulado «Trump presidente? Merda, merda, merda!» - escrito na madrugada de 9 de Novembro depois de «uma noite em claro, milhares de caracteres para o lixo e toda uma edição alterada em meia dúzia de horas por uma equipa de luxo de 12 pessoas que resistiu até ao amanhecer»; também no dia 9, na SIC Online, a «notícia» que «informava» que «americanos protestam contra eleição de Trump» - do que se pode deduzir que ou até os que votaram nele protestaram, ou que foram só estrangeiros a elegê-lo...
Infelizmente, e como seria de prever, no Público também abundaram os exemplos de uma abordagem, digamos…. desequilibrada ao escrutínio nos EUA e aos seus dois protagonistas principais. Em 2012 contactei aquele jornal e, para além de uma «troca de URL’s», disponibilizei-me para dar uma outra perspectiva, mais abrangente e completa, da política norte-americana; porém, e apesar de, desde então, ter regularmente renovado a minha oferta, a minha participação não foi requerida, e as consequências são visíveis: a 23 de Outubro, saía a notícia «Trump vai processar mulheres que o acusam, Clinton prefere falar do que vai fazer se for eleita»… um dia depois de o candidato republicano ter apresentado o seu «Contrato com o votante americano»; a 29, «Ministério Público brasileiro investiga negócios de Donald Trump»… ao mesmo tempo que, nos EUA, era sabido que o FBI decidira reabrir a investigação ao servidor privado de Hillary Clinton; entretanto, artigos de opinião como «A Europa dificilmente sobreviveria (sobreviverá) a Donald Trump», de Teresa de Sousa, «Medo. De Trump», de David Dinis (actual director do jornal), ambos publicados antes da eleição, «O triunfo dos porcos», de José Vítor Malheiros e «Trump abriu a toca aos guerreiros arianos», de Bárbara Reis (anterior directora do jornal), publicados depois, não contribuíram propriamente para um esclarecimento completo, racional e sensato sobre aquela, nem para a consolidação da credibilidade do Público, em especial na área internacional…
Obviamente, nem só de alusões deficientes e deturpadas se fizeram, e se fazem ainda, as (muitas) distorções portuguesas da realidade política norte-americana. Estas também podem tomar a forma de omissões. Como a praticada por João Lopes, jornalista (do Diário de Notícias), crítico de cinema, comentador de cultura… e (grande) admirador de Madonna, mas que decidiu não mencionar, no seu blog Sound + Vision (em que tem como parceiro Nuno Galopim), que a cantora de «Like a Virgin» decidira oferecer fellatios a todos os votantes de Hillary Clinton – uma promessa que, no entanto, ela decidiu não cumprir depois do dia 8; um «lapso» tanto mais surpreendente por JL repreender frequente e veementemente programas do tipo «reality show» como «Casa dos Segredos», da TVI, e a sordidez que lhes é característica, a sua «desoladora rotina (…) (onde) tudo é sexo. Sexo mecânico. Sexo instrumental e instrumentalizado. Sexo, dizem eles, para fazer espectáculo e “entretenimento”. Triunfou mesmo a ideia (?) segundo a qual quando mais se aviltar a nobreza do factor humano, mais “entretidos” estão os espectadores». Incrivelmente, o primeiro texto de João Lopes sobre Madonna publicado no S + V depois de aquela ter alardeado a sua generosidade… oral consistiu numa citação de uma mensagem da artista no Instagram, feita no dia 6, e em que ela, alertando para os supostos perigos de um triunfo de Trump, avisava que «isto não é um reality show»!        
Se já é suficientemente mau produzir e divulgar (pequenas) peças, sejam textuais sejam audiovisuais, garantindo que a vitória de Hillary Clinton é indubitável, ou que, afinal, tendo Donald Trump triunfado, o fim do Mundo está próximo, que dizer quando livros são feitos baseados nessa errónea premissa? As primeiras ainda podem ser «jornalisticamente» corrigidas, contextualizadas, esquecidas… apagadas; mas que fazer dos segundos e das suas centenas, quiçá milhares, de páginas já impressas? Por mais espantoso que isso possa parecer… e ser, dois livros foram publicados em Portugal em 2016 na assunção de que a candidata do Partido Democrata seria a próxima presidente dos EUA.
Um é intitulado «Administração Hillary» e foi escrito por Bernardo Pires de Lima e Raquel Vaz-Pinto. À editora da obra enviei três mensagens. Primeira, a 24 de Outubro: «Permito-me fazer uma correcção ao que está na página de apresentação, no sítio na Internet da Tinta da China, do livro "Administração Hillary", mais concretamente, que a esposa de Bill Clinton “foi a primeira mulher a concorrer à Casa Branca” - o que não é, obviamente, verdade.». Segunda, no mesmo dia: «Enquanto aguardo a vossa resposta (e/ou confirmação de que receberam a mensagem anterior), aproveito para fazer outra observação sobre o mesmo assunto... Se o erro que apontei - o de Hillary Clinton ser apresentada como “a primeira mulher a concorrer à Casa Branca” - apenas está na respectiva página da Internet, isso não é (muito) grave e pode ser corrigido sem prejuízos de maior; porém, se está igualmente patente no livro, ou seja, em centenas ou mesmo milhares de exemplares em papel, então tal falha é seriamente preocupante e põe (ainda mais) em causa a credibilidade de toda a obra - na verdade, se os autores claudicaram em algo de tão básico, quem garante que não existirão incorrecções adicionais? Evidentemente, poder-se-ia começar por questionar a decisão de publicar um livro que como que dá por garantida a vitória da candidata democrata... antes de a eleição se realizar.». Terceira, a 9 de Novembro: «Sou forçado a concluir, infelizmente, que da parte da Tinta da China não há interesse - e um mínimo de boa educação - em responder às mensagens de alguém que é, também, um vosso cliente e consumidor - na verdade, já adquiri livros editados por vocês... Porém, não deixo de enviar uma (derradeira?) mensagem sobre o assunto: agora que se sabe que foi Donald Trump quem venceu a mais recente eleição presidencial nos EUA, qual vai ser a abordagem comercial que irão adoptar com o livro “Administração Hillary”? Ficção científica no sub-género história alternativa... ou distopia? Já agora, se estiverem interessados, tenho um romance nesse âmbito para o qual procuro editor(a)... ;-)» Aparentemente, a minha sugestão terá sido seguida, pois agora o livro, na respectiva página no sítio da TdC, é apresentado deste modo: «Como seria o Mundo se a mulher que concorreu à presidência dos EUA tivesse vencido as eleições»! É de notar, no entanto, que eu não fui o único a brincar com este extremamente infeliz (?) projecto literário…
O outro livro marcado por uma «efabulação precoce» é intitulado «Hillary Clinton – Nunca é Tarde para Ganhar», e foi escrito por Germano Almeida, meu «colega» na blogosfera com especial enfoque nos EUA – o seu blog, Casa Branca, é apenas dois meses mais antigo do que o Obamatório. Os seus dois anteriores livros, ambos sobre Barack Hussein Obama, foram publicados – também pela PrimeBooks – depois de o presidente cessante ter vencido as eleições de 2008 e de 2012, respectivamente… e teria sido preferível que ele tivesse aguardado igualmente o desfecho da de 2016. De facto, e em retrospectiva, não foi propriamente muito sensato publicá-lo prematuramente… e com a seguinte sinopse: «Hillary Rodham Clinton concretizou o sonho da sua vida e é a primeira mulher a chegar à Presidência dos Estados Unidos. Este livro traça-nos o perfil desta mulher singular e obstinada, conta-nos o seu percurso, ideias e paixões e revela ainda pormenores essenciais da corrida eleitoral mais imprevista das últimas décadas nos Estados Unidos da América.» O («pequeno») problema de ter sido lançado antes de a «corrida eleitoral mais imprevista das últimas décadas» nos EUA ter terminado é que, por causa disso, não incluiu o pormenor mais essencial e mais imprevisto: o resultado final dessa corrida, ou seja, a vitória de Donald Trump. Por isso, o debate que decorreu na FNAC Chiado a 21 de Novembro e que teve este livro «como mote para (uma) reflexão alargada sobre este momento de transição na América», reflexão essa que contou com um alegado «painel de luxo, com alguns dos maiores especialistas em política americana do nosso país», mais não foi do que uma – patética – tentativa de «controlo de danos» que resultaram de uma aposta editorial que se revelou desastrosa. Aliás, a inexistência de notícias, de relatos posteriores deste debate parece ser uma confirmação de que os tais «maiores especialistas» não chegaram a conclusões claras e convincentes. Mais valia que tivessem convidado apenas a mim, e eu de bom grado enunciaria e explicaria inequivocamente todas «as razões para o falhanço da candidatura (de) Hillary»…
… Embora não o tenham feito, tal como a Antena 1, Antena 3, CCTV América (?!), Expresso, Jornal de Notícias, Observador, Porto Canal, Rádio Nova, Rádio Morabeza (de Cabo Verde!), Rádio Renascença, RTP 1, RTP 3, TSF e, evidentemente, a TVI, contaram com a colaboração pontual ou permanente de Germano Almeida nas semanas e até meses anteriores à eleição e nenhum destes (e outros) órgãos de comunicação social decidiu solicitar uma vez que fosse o meu contributo. Será interessante ver se a credibilidade do meu «colega» junto daqueles se manterá depois de ele ter assegurado que Hillary Clinton só perderia «em caso de doença ou atentado» e de, depois, ter classificado a perda daquela (sem doença ou atentado) como uma «total surpresa» - para mim não foi – e «uma espécie de 11 de Setembro de 2001 no plano político e social». Entretanto, admito que também estou «preocupado» com a situação de outro meu «colega» de blogosfera, João Luís Dias. E porquê? Porque, depois de ter estado mais de sete meses sem ter publicado qualquer texto no seu Máquina Política, e tendo regressado a 9 de Outubro afirmando que «por esta altura, é já praticamente certo que Donald Trump não virá a ocupar a Sala Oval a partir de 20 de Janeiro do próximo ano», dele não há novidades desde 8 de Novembro, quando anunciou que iria estar nessa noite no Porto Canal a comentar a eleição. Talvez fosse aconselhável pedir a Nuno «Era uma Vez na América» Gouveia, que também reside no Porto, que fosse à procura do João… apesar de ainda não ter «digerido» totalmente a vitória de Donald Trump, muito mais objecto das suas invectivas no Twitter do que Hillary Clinton.
(Adenda – Ainda a tempo, eis mais dois exemplos de portugueses que, a propósito da eleição presidencial nos EUA, revela(ra)m a sua ignorância, a sua imaturidade, o seu sectarismo… claro, são de extrema-esquerda. Uma achava «óbvio» que Donald Trump «não ganha(ria)», e preocupava-se como os eleitores dele iriam reagir – afinal, viu-se, e de que maneira, como é que os votantes (ou nem por isso…) de Hillary Clinton reagiram… com violência e com vigarice. Outro não hesitou em acreditar no que alegava um «tweet» alheio – entretanto, e significativamente, apagado: que Mike Pence afirmara que existiam mulheres que queriam ser violadas para assim poderem fazer abortos – uma calúnia, uma falsidade tão estúpida que foi denunciada e desmentida, entre outros media, pelo Snopes – insuspeito de simpatias por conservadores.)  

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