domingo, 23 de agosto de 2015

Títulos enganadores

(Uma adenda no final deste texto.)
Dizer que em Portugal (e não só…) a comunicação social em geral proporciona um panorama incompleto e deturpado da realidade dos Estados Unidos da América é como dizer, citando Grace Slick, que houve uma Terça-feira na semana passada… e, aliás, foi por isso, nunca é de mais repetir, que o Obamatório foi criado. Neste âmbito, pode ser um exercício útil referir alguns dos mais recentes (e que podem ser enganadores) títulos – e primeiros parágrafos, e mesmo excertos mais à frente – de notícias e de artigos sobre os EUA de um jornal do qual sou leitor deste o primeiro número, com o qual colaboro regularmente há vários anos e pelo qual tenho elevada estima, principalmente pela sua rejeição do «acordo ortográfico de 1990», mas não só.
«Donald Trump embaraça republicanos com comentários misóginos»? Seriam misóginos se ele insultasse unicamente, ou principalmente, mulheres, mas, na verdade, e pelo contrário, ele insulta muito mais homens do que mulheres. Ainda sobre o candidato do GOP: «Mr. Trump, está despedido, diz o Partido Republicano ao candidato desbocado». A sério?! Como é que o PR o «despediu»? Acaso a liderança do partido através do seu órgão de cúpula – o RNC – ordenou-lhe que retirasse a sua candidatura? Não. Um número significativo de militantes, simpatizantes, eleitores do GOP retirou-lhe o seu apoio? Não, pelo contrário: Trump não parou de subir nas sondagens desde então. Na verdade, quem o tentou «despedir» foram vários dos outros candidatos, que muito teriam a ganhar se ele não concorresse à nomeação. Quanto a este título, «Televisões, lojas e artistas boicotam Donald Trump por declarações xenófobas», há que dizer que não menos «xenófoba» foi a expressão de Barack Obama ao referir-se – tal como Trump – a alguns imigrantes ilegais: «gang bangers». Porém (porque seria? ;-)), aqueles que ficaram chocados com as palavras de DT não o ficaram com as de BHO…
Mudando para outros assuntos, bem mais importantes e preocupantes… «Polícia branco mata mais um jovem negro desarmado um ano depois de Ferguson». Até parece que polícias brancos só matam jovens negros (nem sempre desarmados)… o que não é verdade. Até parece que polícias (brancos e negros) não matam também brancos… o que não é verdade. É por isso que é errado afirmar-se que «Michael Brown torna-se símbolo da injustiça e discriminação racial na América». Não, o caso ocorrido naquela cidade do Missouri não é, não foi, um símbolo de «injustiça», «discriminação racial» e/ou «violência policial». No entanto, é, foi, de facto um exemplo de racismo... no sentido de os habituais agitadores raciais (ligados ao Partido Democrata) terem manipulado as emoções e estimulado a violência porque um polícia branco matou (em legítima defesa) um delinquente negro - os mesmos agitadores que não costumam mostrar a mesma «indignação» quando é um negro a matar outro(s) negro(s), circunstância que é, aliás, a mais frequente nos EUA, em especial em cidades como Baltimore e Chicago, geridas há muitos anos, décadas, por políticos democratas… Tal como Milwaukee, objecto da reportagem «Aprender a ser pai», e onde se lê, a dado ponto, que aquela «é uma das cidades com maior segregação dos Estados Unidos». A explicação de tal facto pode ser encontrada na lista de mayors desta urbe do Wisconsin, onde desde 1908 (!) não houve um que fosse republicano, mas, em «compensação», três se assumiram como socialistas… De qualquer forma, é um exagero ridículo, e revelador da mais pomposa ignorância, escrever um artigo de opinião cujo título, «EUA: O racismo está em toda a parte», sintetiza eloquentemente o seu lamentável conteúdo.  
E existem os casos em que a contradição, a dúvida, a interrogação, é imediata. O título afirma que «Republicanos receberam dinheiro de supremacista branco que inspirou Dylann Roof». Mas no lead lê-se que «Ted Cruz quer desvincular-se do grupo que pode ter inspirado o atirador de Charleston. Outros dois candidatos receberam dinheiro do presidente de grupo racista.» Afinal, «inspirou» ou «pode ter inspirado»? E há ainda a questão de definir o que significa «inspirar». Segundo o que pude apurar, o(s) «supremacista(s)» visado(s) garante(m) não incitar nem apoiar qualquer acção violenta. E, aliás, porque algum doido resolve ler e citar o que escrevemos antes de proceder a um assassínio em massa, isso significa que passamos a ser moralmente cúmplices? Outro exemplo de deficiente descrição: «Dois nomes controversos juntam-se à corrida republicana para a Casa Branca». Trata-se de Ben Carson e de Carly Fiorina… e são «controversos» porquê? Por não serem (nunca terem sido) políticos profissionais? E no Partido Democrata não há candidatos «controversos», mesmo que por outros motivos? Bernie Sanders, que se assume como «socialista», não é «controverso»? Outro pormenor interessante é o de aqueles «controversos» candidatos, segundo o autor da notícia, terem «vozes estridentes» e fazerem «discursos inflamados». Das duas uma: ou ele nunca ouviu o médico e a executiva falarem, e inventou, ou ouviu, e mentiu…
… E o alegado tom de voz utilizado e o suposto comportamento adoptado por republicanos estão igualmente em destaque no texto «Republicanos acusam Obama de “acarinhar ditadores e tiranos”». Onde se lê: «os primeiros sinais de tréguas entre os Estados Unidos e Cuba em meio século provocaram um acesso de fúria sem precedentes entre a ala mais conservadora dos republicanos, com destaque para os presidenciáveis Marco Rubio e Ted Cruz, ambos descendentes de cubanos.» Quando se lê «acesso de fúria» e, ainda por cima, «sem precedentes», é quase inevitável que se pense em, que se imagine, reacções histéricas, gritos, quiçá arrepelar de cabelos, arremesso de objectos, contorções no chão... e outras possíveis manifestações excessivas. Todavia, não foi isso que aconteceu, nem com Marco Rubio (como aliás se pode constatar através da ligação, inserida no artigo, para a entrevista com o senador da Flórida), nem com Ted Cruz, nem, tanto quanto eu sei, com qualquer outro dirigente destacado do Partido Republicano. Aqueles dois senadores criticaram, condenaram, certamente, a iniciativa de Barack Obama, com firmeza mas sempre com serenidade, com ponderação; nada que se assemelhasse a um «acesso de fúria sem precedentes». Outro aspecto insólito do texto acima citado é o facto de não ter informado que a reprovação desta acção de Barack Obama não se limitou aos republicanos: pelo menos um senador democrata, Robert Menendez, também de ascendência cubana, insurgiu-se contra este restabelecimento de relações que não pressupõe a efectiva democratização do regime de Havana. 
Do lado de cá do Atlântico já se tornou tão «natural», tão «normal», pressupor – e mesmo inventar – que os republicanos, invariável e generalizadamente, se caracterizam por afirmações, acções, atitudes desagradáveis, negativas, reprováveis que se chega ao cúmulo de (tentar) prever o futuro deles… inevitavelmente desfavorável, apesar de (e a seguir a) um triunfo eleitoral! Leia-se este título: «Republicanos preparam-se para gozar uma vitória que lhes pode sair cara em 2016». E o primeiro parágrafo do mesmo artigo: «Sem uma supermaioria de 60 senadores, que poderia alterar de forma séria o equilíbrio no Congresso e perturbar a recta final do mandato de Barack Obama, os republicanos vão continuar a lutar internamente, prejudicando as suas ambições de voltarem a conquistar a Casa Branca.» Pode-se e deve-se perguntar: a vitória «lhes pode sair cara» porquê? Custou-lhes muito dinheiro a falsificar os resultados? Na verdade, os democratas é que costumam fazer isso... Enfim, eu percebo: enquanto alternância poder-se-ia esperar que, da próxima vez, os «burros» triunfassem... mas a que propósito? Em 2006 eles também alcançaram a maioria nas duas câmaras no Congresso, e isso ficou tão «caro» que... o seu candidato alcançou a Casa Branca em 2008! Quanto às «lutas internas» entre republicanos... que tal falar-se também das - muito piores - que ocorre(ra)m entre os democratas? Porque não referir os vários candidatos, incumbentes e não só, que mantiveram distância de Barack Obama durante a campanha em 2014, que juraram que discorda(va)m dele em diversas matérias, que não queriam ser vistos com ele, que não respondiam «on the record» quando se lhes perguntava se haviam votado nele em 2008 e em 2012, e que, com o gravador desligado, acusavam-no, e à sua administração de incompetência e de desinteresse?
Por várias vezes eu já me ofereci para falar com os autores dos artigos acima mencionados e, de colega para colegas de profissão, explicar-lhes o que fizeram mal. Contudo, e até hoje, a minha ajuda não foi aceite.
(Adenda - No texto intitulado «Jornalista expulso de conferência de imprensa de Donald Trump», lê-se que o candidato do Partido Republicano «recusou-se a responder a todas as perguntas do conhecido jornalista Jorge Ramos durante uma conferência de imprensa no Estado do Iowa». Na verdade, Trump não se recusou a responder a perguntas... porque Ramos não as fez: sem mostrar respeito nem pelo candidato nem pelos outros colegas presentes (um dos quais interrompeu), começou a arengar acusações àquele, qual activista partidário que efectivamente é. Recusando tanto esperar pela sua vez como portar-se profissionalmente, foi obviamente conduzido para fora da sala. Depois, Ramos foi autorizado a reentrar, e então, melhor comportado, pôde, quando autorizado, estabelecer um diálogo com o candidato. Refira-se, por ser relevante, que o apresentador da Univision - que, aliás, o Donald processou por quebra de contrato - tem uma filha a trabalhar na campanha presidencial de Hillary Clinton.)

2 comentários:

Neo disse...

Será ingenuidade sua supor que eles escrevem essas patranhas por desconhecimento. Trata-se de guerra ideológica.
A imprensa portuguesa está tomada pelos marxistas.

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

Digamos que, por enquanto, prefiro dar-lhes algum (não muito...) «benefício da dúvida». Mas claro que não sou ingénuo... ;-)