sexta-feira, 6 de setembro de 2013

É a «flexibilidade», lembram-se?

(Duas adendas no final deste texto.)
Neste Verão (mais ou menos) quente de 2013 surgiram «ecos» da Guerra Fria de anos anteriores, das décadas de 1950 e 1960… porque as relações entre os EUA e a Rússia conheceram algumas tensões neste período estival. E isso reflectiu-se na cimeira do G-20 realizada nestas quinta e sexta-feiras em São Petersburgo: o mal-estar, o… «mau olhado», o incómodo, os constrangimentos, terão sido talvez superiores ao habitual nestas ocasiões… Porquê? Por dois motivos principais…
Em primeiro lugar, por causa de Edward Snowden. Barack Obama e a sua administração ficaram de tal forma desagradados com a concessão de asilo político, ao ex-colaborador da Agência Nacional de Segurança, por parte do governo de Moscovo, que decidiram cancelar o encontro «a dois» com Vladimir Putin que estava previsto que ocorresse aquando da reunião dos líderes das vinte maiores economias mundiais na segunda cidade russa. Porém, não se compreende, e não se justifica, a desilusão, e mesmo a irritação, do Sr. Hussein em relação ao seu homólogo russo. Porque se queixa ele agora de Putin depois de ter dito o que disse a Dmitri Medvedev no ano passado, concretamente, que teria mais «flexibilidade» num segundo mandato? Nesse sentido, os ocupantes do Kremlin mais não têm feito do que (se limitado a) actuar para com os da Casa Branca segundo a carta… branca que o Nº 44 lhes deu: sem respeito algum – que também, diga-se, não merecem. E Obama não se dá ao respeito porque, depois de ter dito que não telefonaria a Vladimir, acabou por fazer… isso mesmo, e, além disso… também acabou por se reunir mesmo a sós com o ex-alto funcionário do KGB! Este sabe perfeitamente que a actual administração norte-americana, apesar de ter condenado as fugas de informação feitas por Snowden, também procedeu a algumas por sua conta própria – as que lhe pareceram politicamente vantajosas (por exemplo, detalhes da localização e eliminação de Osama Bin Laden no Paquistão) – e apenas condena as «fugas não autorizadas». O descaramento é tanto que, na MSNBC, até o habitualmente fiel Chris Hayes criticou, não uma mas sim duas vezes, a dualidade de critérios e a hipocrisia dos democratas.  
O segundo motivo principal para o corrente «desconforto» nas relações entre Washington e Moscovo continua a ter como característica central a «flexibilidade», e tem a ver com a Síria – e, mais concretamente, com a guerra civil naquele país e com a recente utilização de armas químicas no conflito. A «flexibilidade», desta vez, é visível na posição de Barack Obama relativamente aos acontecimentos naquele país… ou será que se deve dizer «posições»? Mais do que «flexibilidade», trata-se de autêntico «contorcionismo». Que atingiu o seu ponto máximo – de atrevimento – na quarta-feira, em Estocolmo, escala do Sr. Hussein na sua viagem até São Petersburgo: em conferência de imprensa, ele declarou que tinha sido o «Mundo», e não ele, a desenhar uma «linha vermelha» - ou seja, a fazer o aviso de que a utilização de armas químicas seria o factor que levaria a uma intervenção militar dos EUA, ou liderada pelos EUA. No entanto, ele fez isso mesmo, no ano passado… como John Kerry admitiu! Mais: agora afirmou que não é a sua credibilidade pessoal que está em causa mas sim a da «comunidade internacional», a da América e a do Congresso norte-americano, ao qual o Nº 44 remeteu a responsabilidade de aprovar, ou não, um ataque a Damasco (após o que foi jogar golfe com o seu Vice)! Por outras palavras, Obama atribui, novamente, a outros – vá lá, desta vez não é a George W. Bush - a culpa pelas suas palavras e pelos seus actos!
Note-se, aliás, que esta não é a primeira vez que a actual administração é «apanhada» numa situação dúbia referente à Síria – já em 2011, como aqui referimos, se verificavam as insuficiências da «diplomacia macia» ao estilo Obama & Clinton. Todavia, o panorama é bem pior dois anos – e dezenas de milhares de mortos – depois. E que é agravado pelo facto de os EUA terem como comandante-em-chefe alguém que anuncia previamente a toda a gente – incluindo os supostos alvos – as características, a duração («dias, não semanas») e o objectivo do eventual ataque («enviar uma mensagem» e não a mudança de regime) – mas que não garante a não colocação de tropas no terreno (ou «botas no chão», como se tem dito). E que, agora, quer a concordância do Congresso, depois de, em muitos casos anteriores, relativos a outros assuntos, não ter pedido àquele a autorização que devia pedir. Os fracassos desta administração na política externa para o Médio Oriente, nomeadamente quanto à Líbia (atentado em Benghazi, e antes) e ao Egipto (tomada do poder pela Irmandade Muçulmana), comprovararam a sua incompetência. Pelo que não surpreende que Barack Obama tenha chegado a São Petersburgo envolto em desconfiança, desautorizado, diminuído, descredibilizado, enfraquecido, ridicularizado, depois das suas «flexões» à volta da Síria. Que demonstram, sem surpresa, que o presidente e os seus acólitos são amadores, que não têm uma (verdadeira) estratégia e que não dispõem de apoio nacional e internacional. E nem seria preciso que Charles Krauthammer o dissesse. Até à esquerda se multiplicam as vozes que expressam surpresa, dúvida, embaraço, discordância e até troça para com a «política para a Síria» do Sr. Hussein, como Charles Rangel, Chris Mathews, David Letterman, Fareed Zakaria, Frederic Hof e Richard Wolffe. Nem todos estão sempre dispostos a obedecer incondicionalmente ao «Querido Líder»…
O desconforto dos democratas neste assunto é aumentado pelo – inevitável – confronto das posições… flexíveis de algumas das suas maiores figuras perante diferentes conflitos, ou o mesmo conflito em diferentes momentos. Nancy Pelosi, Hillary Clinton e John Kerry, que tanto criticaram George W. Bush depois de ele ter conseguido formar uma coligação de mais de 40 países (não, ele não decidiu «unilateralmente») contra o Iraque de Saddam Hussein que, de facto, usou armas químicas contra a sua própria população (no instante em que escrevo ainda não há essa certeza quanto a Bashar Al-Assad), abrigou terroristas, alvejou aviões estrangeiros, atentou contra a vida de George H. Bush e desrespeitou resoluções do Conselho de Segurança da ONU, agora apoiam um ataque isolado e pouco (ou nada) fundamentado contra o ditador de Damasco… a quem, ainda há poucos anos, elogiavam como «reformador» e visitavam! John Kerry que, em 2009, jantou com o casal Assad acompanhado da esposa, agora coloca-o no mesmo «clube» de Hitler e de Hussein (o Saddam, não o Barack)! Tal inconstância permite que Vladimir Putin, com o maior à-vontade, chame «mentiroso» ao actual secretário de Estado dos EUA (por este alegar que os opositores a Assad são, fundamentalmente, «moderados» e não controlados pela Al Qaeda). Entretanto, Chuck Hagel, que acusara a Rússia de fornecer armas químicas à Síria, acabou por voltar com a palavra atrás. E Joe Biden, que no ano passado acusava Mitt Romney de querer, irresponsavelmente, atacar aquele país do Médio Oriente, agora afadiga-se a tentar convencer os seus camaradas no Congresso a apoiarem o seu «chefe»… Do outro lado da «barricada», Rand Paul age de modo a justificar a expressão «tudo o que disser poderá ser usado contra si».
Antes era assim, agora é Assad(o). Antes o lema era «forward», agora é «for war» - basta tapar o «d»…
(Adenda – Leituras adicionais: «A desvanecida esquerda anti-guerra», Brent Bozell; «10 diferenças principais entre o Iraque de Bush e a Síria de Obama», Joel B. Pollak; «14 celebridades anti-guerra com princípios que receamos possam ter sido raptadas», John Ekdahl; «Porque a América está a dizer “não”», Peggy Noonan.
(Segunda adenda - «Coitados» dos «jornalistas» e dos «colunistas» do New York Times, em especial os que trabalham para a secção internacional… A sua vida tem sido tão difícil, e algo esquizofrénica, nas últimas semanas… Como lhes deve custar escrever e publicar «notícias» sobre o seu adorado Barack Obama, agora que ele está armado em «war monger», e lembrando-se do que escreveram e publicaram sobre George W. Bush… Ao anterior presidente é que não disseram para «bombardear a Síria mesmo que seja ilegal»! E, para esse bombardeamento eventual, a lista de alvos potenciais não pára de aumentar. Porém, e para que os falhanços não sejam muito ostensivos, sempre se pode «aligeirar» - alterar – um título algo desfavorável… Entretanto, e para piorar as coisas, mais um conservador, mais um direitista (no caso, Mark Levin), alcança (na categoria de não-ficção) o topo da tabela de venda de livros com o nome do jornal – mas que, apesar disso, e como habitualmente acontece com todos os autores conservadores e de direita, não terá direito a uma recensão nas páginas do NYT. Enfim, os que neste trabalham não devem desesperar com a constante diminuição das tiragens, das receitas e da credibilidade - porque talvez Jeff Bezos os «salve» tal como fez com o Washington Post.) 

2 comentários:

Fernando disse...

Talvez possa reflectir acerca da grande dignidade e nobreza do que aqui é revelado acerca do caracter de Obama que, como é evidente, cá em Portugal ninguém ousou denunciar.

G20 Ends Abruptly as Obama Calls Putin a Jackass

http://www.newyorker.com/online/blogs/borowitzreport/

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

O Fernando com certeza reparou que o texto que me indicou é humorístico... ;-)