E agora, mais um pouco de História... Na passada
sexta-feira, 8 de Dezembro, passaram 160 (150 + 10) anos desde a assinatura, por Abraham
Lincoln, da Proclamação de Amnistia e Reconstrução. Ou seja, ano e meio antes
do fim da Guerra Civil, o 16º Presidente dos Estados Unidos da América já se
sentia suficientemente confiante de que o Norte iria vencer o Sul para pensar
em, e planear, como iria ser a vida da nação após o conflito fratricida, em
especial para os Estados perdedores. Não será especular muito que o discurso que proferira em Gettysburg, menos de um mês antes, a 19 de Novembro de 1863,
ajudara-o a consolidar essa certeza...
... E o texto dessa importante proclamação reflecte-a,
demonstrando uma atitude positiva e um espírito de reconciliação que,
porventura, muitos não esperariam. Eis um excerto, com tradução minha: «Faço
saber a todas as pessoas que tenham, directamente ou por implicação,
participado na rebelião existente, excepto como daqui por diante exceptuado,
que um perdão total é por meio desta concedido a eles e a cada um deles, com
restauração de todos os direitos de propriedade, excepto de escravos, e em
casos de propriedade onde os direitos de partes terceiras tenham intervindo, e
sobre a condição de que toda tal pessoa tomará e subscreverá um juramento, e a
partir daí guardará e manterá o dito juramento inviolado; e o qual juramento
será registado para preservação permanente, e será do teor e com o efeito
seguinte, a saber: “eu, juro solenemente, na presença de Deus Todo Poderoso,
que doravante fielmente apoiarei, protegerei e defenderei a Constituição dos
Estados Unidos, e a união dos Estados debaixo dela; e que eu, da mesma maneira,
respeitarei e apoiarei fielmente todos os actos do Congresso passados durante a
rebelião existente com referência a escravos, enquanto e até onde não forem
revogados, modificados ou declarados nulos pelo Congresso ou por decisão do
Supremo Tribunal; e que eu, da mesma maneira, respeitarei e apoiarei fielmente
todas as proclamações do Presidente feitas durante a rebelião existente que
tenham referência a escravos, enquanto e até onde não forem modificadas ou
declaradas nulas pelo Supremo Tribunal. Assim Deus me ajude.” (...) E eu mais
proclamo, declaro e faço saber, que sempre que em qualquer dos Estados do
Arkansas, Texas, Louisiana, Mississippi, Tennessee, Alabama, Geórgia, Flórida,
Carolina do Sul e Carolina do Norte, um número de pessoas, não menos do que um
décimo em número de votos colocados em tal Estado na eleição presidencial do
ano do nosso senhor mil oitocentos e sessenta, cada um tendo feito o juramento
antes dito e não o tendo violado desde então, e sendo um votante qualificado
pela lei eleitoral do Estado existindo imediatamente antes do assim chamado
acto de secessão, e excluindo todos os outros, deverá restabelecer um governo
estadual que deverá ser republicano, e, sem sábia contravenção do dito
juramento, tal será reconhecido como o verdadeiro governo do Estado, e o Estado
receberá debaixo disso os benefícios da provisão constitucional que declara que
“os Estados Unidos garantirão a todos os Estados nesta união uma forma
republicana de governo, e protegerão cada um deles contra uma invasão; e, na
aplicação da legislatura, ou do executiva quando a legislatura não puder ser
convocada, contra a violência doméstica”.»
Hoje, sabendo-se o que aconteceu depois,
compreende-se que se questione se existiriam, de facto, motivos para um grande
optimismo. Na verdade, há que reconhecer que a atenuação e até a reversão da
vitória do Norte sobre o Sul na Guerra Civil principiaram logo após o término
daquela, quando Abraham Lincoln e depois Ulysses S. Grant – entre os dois
esteve o democrata Andrew Johnson, o primeiro presidente a ser objecto de um
processo de impugnação – optaram por não punir severamente todos os militares e
civis que combateram pela Confederação, antes tendo privilegiado a amnistia e o
apaziguamento, porque, como bons cristãos que eram, acreditavam no perdão e na
redenção. Terão sido demasiado generosos e até ingénuos? Certo é que cedo
começaram a acontecer motins em oposição à Reconstrução, em que muitos negros e
republicanos brancos foram linchados, e não tardou a que o Ku Klux Klan fosse formado
por democratas. Sucedeu-se a segregação racial sistémica, oficial, instituída
nos Estados do Sul através das denominadas leis «Jim Crow» durante décadas, e que
só terminou com a campanha pelos direitos civis liderada por Martin Luther King
nos anos 60 do século passado, campanha essa que teve o seu momento culminante
a 28 de Agosto de 1963 com o discurso «Eu tenho um sonho» de MLK, proferido,
precisamente, junto ao Memorial a Lincoln, em que o vencedor do Prémio Nobel da
Paz em 1964 valorizou o «conteúdo do carácter» em detrimento da «cor da pele».
Pode, pois, dizer-se que a Guerra Civil, na prática, durou mais um século.
Sem comentários:
Enviar um comentário