quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Cair no Cairo

O que aconteceu nas últimas semanas no Egipto constitui mais uma prova de que, por vezes, convém, sempre que possível, aguardar, não reagir e não comentar «a quente», imediatamente, (logo) «em cima do acontecimento», sem se ter a certeza do verdadeiro desenlace de uma determinada situação... Por isso, foi com um sorriso que assistimos a alguns «colegas da blogosfera» terem que «dar o dito por não dito» quando, prematuramente, anunciavam que Hosni Mubarak tinha renunciado ao poder...
… Até que, finalmente, tal efectivamente aconteceu. Porém, não foi só a presidência do sucessor de Anwar El-Sadat a cair no Cairo. Foi também o que restava da credibilidade da política externa de Barack Obama e da sua administração. E isto não é uma acusação infundada motivada por antagonismo ideológico: é uma constatação de facto confirmada pelas afirmações e as (in)acções dos próprios, que sucessivamente admitiram a sua ignorância e/ou a sua impotência em relação à insurreição no Egipto! Começando pelo próprio presidente, que disse que «vamos ter de esperar e de ver o que se vai passar». Continuando com Leon Panetta, actual director da CIA e leal «pau para toda a obra» do Partido Democrata há mais de 40 anos, que se pôs a fazer «previsões»... baseado no que via na comunicação social! E terminando com o seu anterior porta-voz e secretário de imprensa, Robert Gibbs, que, numa das suas últimas demonstrações de inutilidade antes de ser substituído no cargo, confessou que não sabia com quais líderes mundiais (se é que algum...) Obama, Joe Biden e Hillary Clinton haviam conversado sobre o assunto. No entanto, sabe-se que um deles foi o Rei Abdullah, da Arábia Saudita, que terá «avisado» Barack para não humilhar Mubarak. Não se sabe é se, mesmo ao telefone, o Sr. Hussein terá voltado a curvar-se...
Numa daquelas ironias em que a História é fértil, foi no Cairo, em Junho de 2009, que Barack Obama fez o discurso em que apresentou, explicou e defendeu a sua atitude de apaziguamento para com o Islão. Na altura saudada por alguns como um importante momento de mudança... para melhor, está-se agora a ver as verdadeiras consequências dessa intervenção: a Casa Branca aparece como cada vez menos relevante e menos respeitada no Médio Oriente. E todos os «trunfos», todo o poder, toda a influência que ainda possa ter foram adquiridos em administrações anteriores, as de George Bush Pai e Filho, a de Ronald Reagan, e, sim, também as de Bill Clinton e de Jimmy Carter, que em 1979 «apadrinhou» o histórico acordo de paz entre a terra dos faraós e Israel.
Agora, neste país escreve-se que Obama «traiu um aliado» e que ficará conhecido como «o presidente que perdeu o Egipto»... talvez para a Irmandade Muçulmana. Acusações que não parecem afectar o Nº 44, que continua convencido que ele e a sua equipa se portaram bem durante a crise – até, supõe-se, no início daquela, quando participavam numa festa em honra de David Axelrod... Todavia, há pelo menos uma entidade que se mostrou satisfeita com o desempenho de Barack Obama em relação ao «Cairo, distante Cairo, excitante Cairo, apaixonante»: a CAIR (Council on American-Islamic Relations), para a qual o presidente «demonstrou que está do lado certo da história ao apoiar a vontade do povo egípcio.»
Infelizmente, a vontade de uma parte desse povo é a de roubar tesouros arqueológicos e de atacar jornalistas estrangeiros (leia-se «ocidentais» e «norte-americanos») com grande violência. Anderson Cooper da CNN, Brian Hartman, da ABC, e Greg Palkot, da Fox, são três das dezenas de profissionais da informação que ficaram feridos com maior ou menor gravidade (e outros houve que morreram!), embora o caso não letal mais preocupante tenha sido o de Lara Logan, da CBS, que foi, além de espancada, também abusada sexualmente - e que permitiu confirmar ilacções importantes sobre uma «hierarquia (ou tabela) de vitimização» que é seguida em determinados sectores. Crimes que, pode dizer-se, vêm na sequência de atentados (com muitos mortos e feridos) nos últimos meses contra cristãos no Egipto (e no Afeganistão, no Iraque e na Nigéria), mas que não receberam a cobertura e a condenação adequadas por parte de governantes... e de jornalistas!
Estas atrocidades deveriam ser suficientes para «acalmar os ânimos» de muitos ingénuos inconscientes que anda(ra)m a escrever disparates grandiloquentes sobre os revolucionários «amanhãs que cantam» nas margens do rio Nilo.

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