No
início desta semana que agora termina, e em dias consecutivos, duas pessoas que
podem ser colocadas (eu coloco-as) entre os mais destacados «bloguistas»
portugueses publicaram «postas» sobre o que é, praticamente, o mesmo tema: as
consequências do que vamos designar de um extremo revisionismo
dicrimino-censório – versão mais recente e demente do já de si duradouro e detestável
«politicamente correcto» - na literatura mundial e até no mercado literário
português e nos autores nacionais, revisionismo esse que tem origem em muitas
universidades dos Estados Unidos da América, e que a partir daí «contaminou»
bastantes – demasiado(a)s) – indivíduos e instituições (incluindo empresas
privadas), não só naquele país mas também noutros.
A
21 de Março, no Malomil e em texto intitulado «A traição dos intelectuais», António de Araújo aborda as controvérsias
decorrentes da tradução do primeiro livro daquela que é supostamente a mais
jovem vedeta das letras norte-americanas: «(…) Porque é que Amanda
Gorman e os seus agentes levantaram objecções a que a sua poesia fosse
traduzida para catalão por um branco, Victor Obiols, mas não objectaram a que
fosse traduzido para espanhol por uma branca, Nuria Barrios, dita “sem
historial activista”? Porque é que só agora, à boleia desta nova polémica, é
que Grada Kilomba vem questionar e criticar a tradução para português do seu
livro, “Memórias da Plantação”, feita por um homem branco, Nuno Quintas, e
nada disse nem objectou quando essa tradução foi feita, em 2019? (…) Que
características de um determinado autor devem ser valorizadas na escolha do seu
tradutor? No caso de Amanda Gorman, vemos apontadas as seguintes
características: “jovem”, “mulher”, “negra”, “filha de mãe solteira”. Dessas,
qual a decisiva na escolha do tradutor? Apenas uma, a etnia? Todas? Porque não o
facto de ser mulher? Ou jovem? Ou filha de mãe solteira? Com que legitimidade
se erige a etnia em detrimento do género, por exemplo? Se escolhemos a
etnia como ponto decisivo do “lugar da fala”, isto significa que apenas negros
podem traduzir negros e brancos podem traduzir brancos? Se sim, porquê? Se não,
porquê? Porque é que a etnia de um tradutor lhe confere especiais
qualificações para o seu ofício? Isso não será racismo, no fim de contas? (…)
Quem pode traduzir Amanda Gorman? Uma homem de meia-idade pode fazê-lo? Ou
apenas Amanda Gorman pode traduzir-se a si própria? Um homem pode traduzir
literatura feminista? Um heterossexual pode traduzir escritos gay? Um
agnóstico pode dar voz à “Bíblia”? E quem pode traduzir os clássicos,
Aristóteles ou Platão, Joyce ou T. S. Eliot? Um judeu não pode
traduzir “Mein Kampf”? Ou, pelo contrário, só um judeu pode fazê-lo? Não
haverá aqui o risco, mais do que evidente, de se criarem novos casulos e
barreiras, contrariando a essência própria, universalista, dialogante, do acto
de traduzir? (…)»
A
22 de Março, no Horas Extraordinárias e em texto intitulado «Estupidez»,
Maria do Rosário Pedreira aborda a – inesperada – dificuldade em conseguir
editar nos EUA um (por ela não identificado) escritor nacional: «Disse-se
ao longo de mais de uma centena de anos que a América era a terra das
oportunidades; infelizmente, passou a ser a terra da oportunidade de ficar
calado, pois não se pode agora falar de nada sem que todas as nossas palavras,
por mais inocentes que sejam, acabem julgadas da pior maneira. Recentemente
soube que recusaram a obra de um autor português com um relatório em que, antes
de mais nada, o descreviam como muitíssimo talentoso; mas esse talento era
secundário para a editora norte-americana que decidiu não o publicar porque um
dos romances falava de forma muito directa de um tema que, para a imprensa
norte-americana, era muito sensível (a deficiência); e o outro tinha, entre as suas
personagens, uma transsexual (mas, como o autor não o é, certamente iria ser
acusado de falar do que não sabe; ainda pensaram pedir um segundo relatório de
leitura a alguém da comunidade LGBT lá do sítio, mas não encontraram
nenhum trans que lesse português). (…) É uma outra forma de
preconceito que em nada ajuda as minorias, fingindo que as protege. Se os
autores não podem falar do que não sentiram na pele, não é isso uma negação da
imaginação? (…)»
Nestes
seus textos tanto António de Araújo como Maria do Rosário Pedreira colocam
questões pertinentes, resultantes também do que parece ser genuína supresa e
até indignação perante o que acontece – no âmbito cultural, pelo menos – no
outro lado do Atlântico. Porém, ambos não podem alegar que não foram avisados,
e nomeadamente por mim, sobre as mais do que prováveis e previsíveis
consequências de a pérfida perversão, atentatória dos mais bons e básicos
valores civilizacionais, inerente à esquerda norte-americana e núcleo perene do
Partido Democrata se expandir e se consolidar, talvez e infelizmente de uma
forma permanente. Recordo que o actual consultor da Presidência da
República me «convidou» a deixar de comentar no Malomil depois de eu ter
respondido, discordando (com factos), a alguns posts em que criticava
Donald Trump; e que a actual editora da Leya não pareceu ter reconhecido o erro
que cometeu ao elogiar uma bibliotecária luso-descendente de Boston que rejeitou livros
oferecidos por Melania Trump, e, na prática, ofendeu a primeira-dama… e no meu comentário já alertava para o perigo de a proibição de certas
obras e artistas por parte dos novos «inquisidores» se tornar uma rotina – e o
certo é que, menos de quatro anos depois, são (alguns d)os de Theodor «Dr.
Seuss» Geisel, que Liz Soeiro desprezou, que estão entre os primeiros (porque,
sim, há outros) a serem «apagados»
na vigência do regime que foi instaurado a 20 de Janeiro passado numa
Washington pejada de soldados e de barreiras com arame
farpado.
No
entanto, nestes seus textos António de Araújo e Maria do Rosário Pedreira dão
igualmente mostras de uma surpreendente ingenuidade… ou de algo pior. Ele
também pergunta: «Como é possível conciliar este debate com o propósito de
união anunciado no discurso da tomada de posse de Joe Biden, sem o qual poucos
saberiam sequer quem é Amanda Gorman?» Obviamente, isso não é possível,
porque os democratas não são nem nunca foram pela união e pela integração (racial
e outras) mas sim pela secessão e pela segregação; e estar na Casa Branca um ilegítimo e xexé «chefe de Estado» é uma garantia de que vai continuar
a invasão por imigrantes ilegais, a perseguição policial e judicial de
opositores políticos e a promoção de campanhas de menorização (ou seja, de
discriminação e mesmo de ódio) contra brancos, além de que se irá tentar
proceder ao desarmamento da sociedade civil e a «purgas» ideológicas nas forças
armadas – tudo acções que provavelmente levarão, não à unidade, mas à implosão
do país, quiçá até a uma nova guerra civil; quando alguém que tem uma
licenciatura em Direito e um doutoramento em História, e com actividades
importantes e influentes, e que apesar disso revela não ter um conhecimento
suficiente de factos fulcrais relativos aos EUA, é de duvidar da qualidade dos
conselhos políticos que dá no Palácio de Belém. Ela também pergunta: «Então
hoje para uma editora o talento é menos importante do que o assunto de um
romance? E um agente cultural como uma editora mete o rabo entre as pernas,
recusa-se a arriscar e abdica de mudar mentalidades mesmo quando diz que o
autor tem muito talento?» A verdade é que – e sei-o por experiência própria –
MRP já se recusou a arriscar por causa do assunto de um romance e não ponderou
devidamente o talento do respectivo autor; todavia, é elementar e da mais
básica justiça reconhecer que, neste aspecto, ela está longe de ser um caso
único.
Ainda
sobre o texto citado do Horas Extraordinárias, é quase certo que o autor nele
mencionado é Afonso Reis Cabral, trineto de José Maria Eça de Queiroz. E este,
curiosamente, tornou-se igualmente uma «vítima» do revisionismo PC devido
a alegados «preconceitos raciais» existentes n’«Os Maias», que foram primeiro
«denunciados» por uma «investigadora» que estudou… nos EUA. Ela será certamente
bem vinda se quiser participar no segundo congresso – por mim proposto, e organizado pelo Movimento
Internacional Lusófono – sobre EdQ, que deverá decorrer no próximo mês de
Outubro e que terá como temas os 150 anos da publicação de «O Mistério da
Estrada de Sintra», da realização das Conferências do Casino e do início da
edição d’«As Farpas». Imagine-se o que ele teria dito e escrito sobre estes
novos «puritanos» da treta! (Também no Octanas.)
Sem comentários:
Enviar um comentário